quinta-feira, 21 de maio de 2009

Dúvida na aula

Na última aula surgiu uma dúvida relacionada com a tradução de conceitos para português do Brasil. Vamos então por partes.O nome ETNOMETODOLOGIA surge por associação a conceitos vizinhos onde o ETNO pontifica. Segundo o Dicionário da Porto Editora, significa elemento de formação de palavras que exprime a ideia de povo, raça, nação e é subsidiário do grego "éthnos" que significa o mesmo. Garfinkel usa-o para fazer alusão ao saber quotidiano da sociedade, o conhecimento que está ao dispor do actor social. Este saber possui três qualidades, e aqui surge a dúvida da tradução. Mas traduzam e usem os conceitos desta forma:
1- REFLEXIVIDADE - capacidade de descrição das actividades pessoais, procedimentos e métodos. Neste aspecto, o saber do sociólogo é o saber primitivo do actor social;
2- DESCRIÇÃO - as práticas descrevem-se e encontram-se directamente ligadas à consciência individual;
3- INDEXALIZAÇÃO / INDEXICABILIDADE - a linguagem utilizada pelo actor está indexada (INDEXAR significa colocar num índice ou lista ordenada, registar (dados) numa lista, geralmente organizada por ordem alfabética) à situação, às práticas sociais, para as tornarem inteligíveis. Esta é uma caracteristica da linguagem vulgar e das práticas sociais, relacionadas entre si.

Fui claro???
Se precisarem de esclarecer mais dúvidas, digam.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Etnometodologia e Garfinkel

Harold Garfinkel nasce em 1917 e em 1967 publica “Estudos em Etnometodologia”. Foi professor da UCLA e fez Doutoramento em Harvard; Trabalhou com Schutz, teve influência de Parsons, seu professor.
Os enfoque da Etnometodologia passava pela análise do uso da razão prática, percepção das estruturas sociais como “ambientes normais, a análise do “conhecimento de senso comum, conjunto de práticas e considerações pelo meio das quais os membros de uma sociedade justificam os seus actos de forma a perceber as tipificações ou normalizações, como características do senso comum. O seu objecto era a organização do quotidiano, fazendo defesa do uso do conceito de “facto social” como “fenómeno sociológico fundamental", sendo contudo, uma produção do grupo. Neste autor percebe-se a influência de Schutz nomeadamente quando invoca o primado da rotina, do irreflectido, da relação do membro com o grupo. Os seus objectivos eram perceber as práticas organizadas que produzem estruturas de pequena e larga escala, as contingências definidas como normais e as tarefas criadoras de instituições e manutenção da ordem, perceptíveis nos relatos e conversas, que devem ser analisadas. Neste sentido, privilegiava-se o estudo da conversa, como interacção que revela propriedades estáveis e ordenadas que são as realizações analisáveis dos dialogantes e optava-se pela indiferença metodológica, procurando analisar segundo os termos locais de interpretação de práticas e não proferir juízos morais. Assim, a preocupação central era perceber como é que os indivíduos reconhecem, produzem e reproduzem as suas acções e estruturas sociais, analisando as circunstâncias de produção de acções e a intersubjectividade, caracterizadas por uma forte carga empírica e pela análise do campo linguístico, um recurso fundamental usado na acção social.
Obviamente que seria necessária uma recolha exaustiva de dados, conferir importância dos detalhes na compreensão do todo, considerar que as conversas possuem autonomia e são separadas dos processos cognitivos e contextuais e, além disso, possuem organização sequencial. Se para Talcot Parsons a vida social é feita de adaptações ao que nos é dado e as acções subjectivas visam a integração em estruturas normativas, para Garfinkel a vida social é feita de procura de objectivos.
Numa nova teoria da acção, o senso comum é uma forma particular de racionalidade e assume o seu primado, pelo que estudo das propriedades do senso comum prático que interpreta situações mundanas de acção, percebendo as suas motivações e sistematizando as suas propriedades de razão e acção prática, é a chave.
Influenciado por Alfred Schutz, Garfinkel percebeu que na interacção existe reciprocidade de perspectivas, existe mutualidade na inteligibilidade das actividades quotidianas, que se alcançam e mantêm, que os actores sabem mutuamente o que estão a realizar e que os significados são uma construção social realizada em conjunto. Assim, o estudo das propriedades da acção, indicam que o actor não só responde ao conhecimento percebido como à normalidade desse comportamento, que a acção tende a ser conduzida para a normalidade. Além disso, as normas são recursos para a manutenção da inteligibilidade de um campo de acção que parte da persistência das expectativas normativas. Resumindo, pode-se concluir que a acção é multifacetada, que a acção é contexto e altera-se no seu curso, que as normas são elásticas, revogáveis e ajustadas de acordo com a sua aplicação em diversificados contextos e se apresentam como recursos cognitivos, pois avaliam o desvio e a norma

A propósito do Caso Agnés de Garfinkel

Jornal Público
Domingo, 12 de Março 2006


Nuno espera belo novo "BI" para casar

As crises de identidade atacam nas diversas fases da existência - na infância, na adolescência, na vida adulta. O processo de mudança de sexo é moroso. Ele iniciou-o em 2001 e ainda lhe falta uma operação e nove meses para mudar de nome

Nasceu rapariga, mas nunca se identificou com o género feminino. Em criança, tentava, com frequência, urinar de pé. A mãe "via-se aflita". A ama "diz que era uma tristeza, que só queria usar calças e fatos de treino". Nunca entrou em "conversa com bonecas, operava-as todas".

Não sentiu rejeição na escola. "Achavam piada. Era uma maria-rapaz, queria era jogar futebol, batia em toda a gente", recorda. O pai ria-se, não tinha "uma rapariga pindérica". Quando lhe começaram a aparecer os seios, "foi um desespero". "Dava-lhes murros." Passou a usar t-shirt na praia. "Eu dizia que o meu sonho era ser homem, mas não sabia que era possível."

Com o desabrochar da sexualidade, Nuno passou a olhar para as raparigas, embora não arriscasse dizê-lo. A pressão da mãe, da ama, da madrinha, ia em crescendo. Chegaram a inscrevê-lo na Opus Dei - "foi um verdadeiro sucesso, fui a Paris ver o Papa. Estava tão revoltado. Para chatear, fazia tudo ao contrário, lembro-me de urinar de porta aberta".

Usava um elástico à volta do peito, para esmagar os seios. Tudo nele era tipicamente masculino. O seu comportamento, a sua roupa, o seu cabelo. Frequentava o 12.º ano. A crise de identidade doía como nunca. Desabafou com uma das suas melhores amigas, que sempre fora heterossexual. Sabia-o com nome feminino, mas via-o como rapaz. Algo de grandioso despontou.

O pai "ficou maluco"

Foi nessa altura que Nuno descobriu que podia mudar de sexo. Viu a transexual Rute Bianca num programa de televisão. "Andei três anos, de psicólogo em psicólogo, e ninguém sabia dizer nada. Até que vi, num carro à minha frente, uma gaja sempre a arranjar-se. Era a Rute Bianca. Foi ela que me indicou onde havia de ir." Já antes, Nuno deixara um alerta da Internet e recebera um telefonema de alguém a dizer ter informações. "O desespero era tanto que meti-me no carro de pessoas que nunca tinha visto." Nuno tinha 18 anos, soube que podia operar-se, enfrentou a família.

A mãe aceitou a decisão, sem surpresa. A ama apoiou. A avó pediu-lhe que nunca mais a visitasse, por "vergonha". E o pai "ficou maluco", pediu-lhe que o deixasse morrer primeiro. Saiu de casa. A família da namorada também reagiu mal. Mas tudo isso já lá vai.

Principiou o programa em Setembro de 2001. Fez uma batelada de testes nos Hospitais Universitários de Coimbra, que repetiu no Júlio de Matos, em Lisboa, onde iniciou terapia de grupo. Eram "para aí 30" pessoas, quase todas como ele. "Foi um alívio enorme pensar que havia mais."

À espera da "libertação"

Entre Junho de 2004 e Janeiro de 2006, fez cinco cirurgias. Ainda falta uma, mas não se queixa. "Tenho um colega que já foi ao bloco operatório dez vezes, tem tido rejeições."

O corpo e o espírito de Nuno encontraram-se, por fim. Já não tem seios, nem vagina. Tem "erecção, sensibilidade". Já não precisa de apoio psicológico. Agora, já só precisa do seu novo bilhete de identidade.

Não tem nada em seu nome - casa, carro, conta bancária. Está tudo em nome da mãe, "senão era a galhofa". Basta-lhe o que sofre no centro de emprego. "Cada vez que vou lá, é uma risota. Já tentei de tudo, desde ginásios, supermercados, ninguém me dá trabalho."

É licenciado em Educação Física. O director de curso punha-lhe o nome de rapaz nas pautas, no estágio, "em tudo" o que era visível ao exterior. E fazia documentos com o nome legal para registo oficial. Alguns colegas gozavam e Nuno sabe que "seria pior se fosse ao contrário", que o preconceito ataca mais os transexuais masculinos-femininos.

"Por causa do meu nome, não me dão emprego e, para mudar de nome, tenho de ir para tribunal", meneia. A falta de regulamentação é o entrave. "É preciso ir ao Instituto de Medicina Legal fazer perícia, pôr um processo ao Ministério Público e isto tudo custa à volta de três mil contos [15 mil euros]." O processo foi iniciado há dois anos. O julgamento foi marcado para Dezembro. Será "a libertação". O velho assento de nascimento será "rasgado, queimado, incinerado". Nuno poderá então casar-se com a mulher que com ele afrontou o mundo e a ele se uniu há quase sete anos. Já partilham um apartamento com vista para o mar, já têm almoços familiares aos domingos, como qualquer casal.