O aparecimento da Sociologia em Portugal
Em 1818 nasce Karl Marx e
em 1848 publica o “Manifesto do Partido
Comunista”, panfleto obscuro na época mas que veio a tornar-se num manual
de disseminação global da causa proletária, de larga divulgação. Oito anos
depois da edição de “A Luta de Classes em
França”, em 1850 pelo mesmo autor, nasce Émile Durkheim.
Em 1864, assinala-se a redacção dos estatutos da Internacional Socialista e o
nascimento de Max Weber. Em 1867 Karl Marx divulga o primeiro volume de “O Capital”, em 1893 Durkheim publica “A Divisão do Trabalho Social”, dez anos
depois da morte de Karl Marx, e dois anos mais tarde, em 1895, “As Regras do Método Sociológico”. Os
clássicos da Sociologia, Marx, Weber e Durkheim, geram-se no século XIX,
acompanhando o período de importantes transformações sociais emergentes da
contestação dos moldes das sociedades transactas. Diferentes formas sociais
configuram novas classes e isso desperta uma esfera do saber que então se
constituía. A especialização científica da Sociologia dava os primeiros passos.
E em Portugal?
Há um conjunto de
personalidades que ganham destaque neste contexto. Uma delas é Teófilo Braga.
Influenciado pelo positivismo e evolucionismo da altura, bosquejados por Comte
(1798-1857) e Spencer (1820-1903), Braga publica um conjunto de obras que se
afiguram como tentâmen de edificação da disciplina no nosso país, ainda que
elementar nos capítulos teórico e metodológico. Porém, a novel matéria conhecia
fraca penetração no mundo universitário, estava quase sempre associada a outras
áreas académicas e experimentava, por este motivo, indiferenciação disciplinar,
como considera Madureira Pinto (2004: 12). No entanto, como alguns dos seus pares, não era
imune às lutas político-ideológicas e movimentos sociais de então. Braga
professava um projecto de educação e emancipação moral dos indivíduos, caracter
doutrinário que Teixeira Fernandes (1996) e Victor Sá (1978) assinalam como
característico da época. Teixeira Fernandes enfatiza, contudo, a importância de
Alfredo Pimenta. Mas este foi um autor paradoxal.
Começa por professar o
republicanismo, passa pela exaltação do fascismo e do imperialismo português e
termina a aclamar a monarquia com genes autoritários. Ao longo do seu percurso
teve bastante peso no impulsionamento do integralismo lusitano, valorizando a
pátria em detrimento da ocultação das fraquezas depressoras do ânimo colectivo.
Anti-positivista, tal como a doutrina que professava, demoniza Napoleão e o
plebiscito, persegue Oliveira Martins e com ele o liberalismo demonizado por
António Sardinha. O positivismo espelharia, na sua perspectiva, incapacidade
para a especulação filosófica e uma perigosa ligação à esquerda onde
pontificavam intelectuais burgueses conformes às correntes socialistas
utópicas. A filosofia recusava o determinismo social e a sujeição dos
indivíduos às estruturas que a sociologia preceituava. Apesar de tudo, ensina o
relativismo cultural em “O Império
Colonial factor de civilização”, de 1936, ao defender a existência de uma
diversidade de civilizações “não há
civilizações iguais; há civilizações diferentes (…) a civilização é o estado
momentâneo das ideias, dos sentimentos e das actividades de um povo”
(Pimenta, 1936: 33/34), mesmo que a seguir considere que a civilização
portuguesa, espiritualista por derivar da influência do cristianismo, necessite
da protecção do regime fascista. “O povo
que ignorava o poder bruxo dos papelinhos de voto (…) unia-se à volta do seu
chefe natural, daquele que não saíra das tropecias e malabarices de uma urna,
mas viera dos desígnios impenetráveis da Providência, para mandar, e ser
obedecido, para guiar, e ser respeitado” (idem: 40).
Pimenta foi ainda mais
longe, entrando em confronto com os intelectuais que vigoravam na época, como Antero
de Quental, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Ramalho Ortigão, Fialho de
Almeida, entre outros, glosadores da afamada “decadência lusitana” e, simultaneamente, liberais. Contraditoriamente,
ao ideal de progresso, civilização e evolução social que a “forasteira” sociologia
professava, era-lhe construída uma vedação hostil, discordante, conservadora,
inoculada de lamentosas queixas contra a situação do país, curiosamente, pelos
liberais. O fascismo, anti-liberal por vocação, também os abjurou. Mas Pimenta
não estava do lado de uma sociologia clássica, cujo método fora sugerido por
Durkheim em 1895, mas sim do integralismo lusitano que observava esta
disciplina pelo prisma mais conveniente, metodologicamente errado e eticamente
reprovável. E o ataque a estes autores dá-se por razões políticas e estéticas:
anti-liberais e anti-decadentistas. A sociologia encontrava-se entre duas
linhas de fogo, mutilada e indefesa face a uma perspectiva etnológica “neogarretista”
que Jacinto Prado Coelho caracterizou como “o
abandono dos modelos franceses e o retorno às tradições nacionais, ao
rusticismo sadio, à ingénua imaginação popular, à vernaculidade linguística”
(Costa Pinto, 1982: 1412). Eça de Queirós, tal como os fascistas, comprometia-se,
paradoxalmente, com o “reaportuguesamento” do país magoado com o caso do
ultimato inglês. E o modelo romântico implanta-se, com novas tonalidades.
Como defende Bernardo, “o fascismo
português encontrou o seu modelo nas romarias (…) fazendo apologia de tudo o
que era pobre e retrógrado, (convertendo) em encenação a própria miséria, o que
era mesmo dizer – o país” (Bernardo, 2002: 756). Contudo, a união dos
vários movimentos artísticos numa grande “União
Cívica” que reuniu seareiros, integralistas, anarquistas e republicanos,
sucumbiu em detrimento de uma perspectiva nacionalista de direita, ela sim
cultora de uma revolução estético-política capaz de mobilizar as massas para um
projecto modernista e tradicionalista, sustém Reis Torgal (1998). Assim, o
fascismo português diferenciou-se dos seus cognatos europeus pelos seguintes
motivos: primeiro, esteve fortemente ligado à cultura burguesa e, segundo,
mostrando-se menos empenhado nas encenações de força e poder, mas optando pela
exibição encenada do povo e suas virtudes, da cultura popular fortemente
incentivada pelo poder central, transformou-o em actor num palco realista
manifesto num grande movimento cultor da realidade rural: o concurso da Aldeia Mais Portuguesa de Portugal, “precisamente porque constituiu a modalidade
de fascismo mais alheada de uma política de massas, (vendo-se) obrigado a
assumir uma maior dimensão estética” (Reis Torgal, 1998: 755).
Voltando a Alfredo
Pimenta e ao mesmo texto que usamos atrás, pode-se ler que “o romance e o teatro português renovar-se-ão brilhantemente sem precisarmos
de recorrer, naquele aos modelos de Anatole France ou Flaubert ou às
microscopias mórbidas de Proust (…) o livrinho do Sr. Hipólito Raposo, Ana a
Kalunga, é uma bela promessa” (Pimenta, 1936: 49) Se num primeiro momento o
pensamento liberal favoreceu o seu desenvolvimento, o pensamento conservador,
supostamente sustentado por laivos intelectuais, da geração de 70, limitou o
desenvolvimento da Sociologia em Portugal. Eça de Queiroz, em “A Capital”, escarnece de Artur Corvelo,
o protagonista da história que se lança “no
culto de exclusivo de Proudhon, Stuart Mill e Augusto Comte, e não compreendia
realmente o que vinham fazer Jesus, Madalena e os sicómoros da Betânia em pleno
século XIX, à hora do Positivismo e do Socialismo!” (Queiroz, 1999: 22).
Há um último nome a apreciar,
o de Pedro Amorim Viana. Considerado o primeiro sociólogo português por Victor
de Sá (1978:38), Amorim Viana foi muito activo no plano intelectual da época ao
mesclar uma perspectiva panteísta e religiosa com uma sociológica, na medida em
que confere importância ao colectivo e ao processo histórico.
Por
fim, além do positivismo, a Sociologia recebeu influências do pensamento
socialista, activo nas Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, em 1871.
Identicamente de carácter doutrinário, revelavam preocupação com a já relatada
“decadência nacional”. Nelas estiveram envolvidos Antero de Quental, Eça de
Queiroz, Adolfo Coelho e Augusto Soromenho. Os que se perfilavam para a sua
dissertação, foram impedidos pelas autoridades que as ilegalizaram. Contudo,
fica patente nesses colóquios a ideia do compromisso com o capitalismo, com a
industrialização, e com a burguesia, classe moderna por excelência que sofreu a
oposição da aristocracia, nas palavras de Antero. As transformações sociais e
políticas postas em marcha com a Constituição de 1822, a industrialização, a
penetração do positivismo e da doutrina comtiana, dos ideais socialistas e
republicanos, encontram eco na produção científica e literária.
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