A classe média como a conhecemos em Portugal pode desaparecer como
consequência da crise económica que o país atravessa, disse hoje à Lusa o
sociólogo Elísio Estanque, que lança esta semana um livro sobre este
tema.
A classe média «está em risco de um empobrecimento muito rápido»
que pode levar a um «descontentamento mais amplo na sociedade
portuguesa» e ao «enfraquecimento do sistema socioeconómico e do sistema
democrático», explicou o autor do livro «Classe Média: Ascensão e
Declínio».
Para o sociólogo, a classe média em Portugal tem
«dificuldades acrescidas» em relação a outros países ocidentais, que
resultam de processos tardios quer de industrialização quer de adopção
de um regime democrático.
Por isso, «a classe média que Portugal
conseguiu edificar» foi criada num «processo muito rápido, pouco
consistente, que resultou sobretudo da expansão do Estado social e que,
na sequência dos anos 80 do século passado, sujeita a um discurso mais
ou menos eufórico orientado para o consumo e para um certo
individualismo, criou um conjunto de expectativas relativamente às
oportunidades do sistema».
No entanto, a crise económica que
Portugal enfrenta está a defraudar essas expectativas, considerou Elísio
Estanque, explicando que isso levará a uma alteração da sociedade a
partir da insatisfação dos jovens.
Muitos jovens, que fazem parte
da classe média mas que têm formação superior, vivem uma «condição de
precariedade e insatisfação relativamente às instituições e à classe
política», sendo esta faixa da sociedade que «alimenta os movimentos de
protesto», explicou.
São eles que «incutem um novo discurso, uma
nova leitura relativamente ao funcionamento da sociedade e recorrem a
outro tipo de meios e de leituras da realidade. Se esses sinais
conseguirem ser capitalizados e absorvidos pelos agentes da nossa vida
política – partidos políticos, sindicatos, instituições em geral – pode
ser que as instituições se renovem a tempo de evitar o pior», considerou
Elísio Estanque, ressalvando que «terá de haver uma renovação».
«Estamos
num momento de encruzilhada de viragem. Não é só Portugal. Estamos num
mundo conturbado, estamos num momento de transição. Para o bem ou para o
mal. A História está em aberto», referiu.
E, embora admita que os
portugueses não costumam «embarcar em excessos como aconteceu na
Grécia», o sociólogo acredita que a ideia de que Portugal é um país de
brandos costumes é um mito.
«Em vários momentos da sua história,
os portugueses mostraram uma grande irreverência, capacidade de acção e
até algum radicalismo», concluiu.
Lusa/SOL
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